sexta-feira, 5 de julho de 2013

A liga do regime

Caille en sarcophage - Receita do Filme Fête de Babette
http://alquimiadacozinha.blogspot.com.br

Fui visitar um grupo de controle de peso! Sim, do tipo dos vigilantes do peso. Na realidade, já me explicaram logo no começo, eles eram uma dissidência dos famigerados Vigilantes do Peso, pois acreditavam que os métodos deste grupo eram muito conservadores. Os Espartanos do Peso  - acredite, este era o nome! – eram mais radicais. Logo no início da minha primeira sessão já percebi que a turma era da pesada, no bom sentido do termo, ou seja, da barra pesada, do mal. Basta analisar a cordial saudação de nosso palestrante, Viva Esparta!... E todos respondiam em uníssono, Viva Esparta!... E ele emendava outro grito e todos respondiam, Viva Esparta! Eu, já entrosado, confundi e gritei, Viva Zapata!... O silêncio foi sepulcral. Quase morri de vergonha, mas isso já era quase o fim do meu primeiro encontro com o futuro famélico.
Antes da palestra, sempre há uma, a gente ficava em uma salinha, tomando chá de erva cidreira e comendo as unhas porque salgadinho é algo impensável nestes lugares. A gente ficava conversando sobre tudo. Tudo desde que não estivesse relacionado à comida. Quando comecei a passar uma receita de feijão tropeiro que minha mãe tinha aprendido com minha avó, fui repreendido pelo grupo que me ouvia. Um deles discretamente segurou minhas mãos e apontou em silêncio para o alto, no canto da parede, para uma câmara de circuito interno de TV. E disse bem baixinho: cuidado, estão nos ouvindo.  Tocou um sinal e fizemos uma fila...
A fila parecia ordem unida. Uma fila longa que terminava em uma balança. Cada um que subia o enfermeiro dizia e anotava algo, acho que um número. Atrás de mim tinha uma gordinha estranhíssima. Ficava repetindo para si mesma coisas do tipo... Esse não vai dar, coitado deste, xi que esse a balança não aguenta  Na realidade ela estava nervosa. Fui descobrir que toda reunião as pessoas se pesam para ver se alcançaram as metas da semana. Cada um que subia ali recebia uma informação precisa sobre quanto havia perdido de peso ou quanto havia ganhado naquela semana. Pelo que pude perceber, a gordinha atrás de mim nunca havia conseguido atingir suas metas. Eu, então, presenciei um milagre. Quando ela enfim subiu na balança e o enfermeiro gritou, Muito bem, Leidisleine, 100 gramas! Foi uma comoção que só vendo, todo mundo aplaudindo, se abraçando, a gordinha começou a chorar e uma senhorinha que estava ao meu lado observando tudo emocionada sussurrou, Está é uma vencedora! Fiquei até estimulado... E também fiquei lá, pensando quantas fatias de mussarela são 100 gramas.
Depois sentamos todos no auditório, o mestre de cerimônias anunciava os patrocinadores, um spa e duas clínicas de relaxamento, e começou a dizer os nomes dos presentes que alcançaram as metas da semana. Parecia festa de formatura. O divertido é que o apresentador não dizia o peso alcançado, mas uma referência a ele. Por exemplo, se eu perdia 200 gramas ele anunciava, Olavo, um bifinho, parabéns! Todos batiam palmas. Apareceu de tudo, picanha, lasanha,  um copo de suco de laranja, goiabada cascão, figo em calda. A mistureba era tanta que a gente acabava ficando enjoado e, mais importante, sem fome. Se a referência era algo maior, o que significava uma meta difícil que foi cumprida, o auditório vinha abaixo com aplausos, gritos e assobios. Por exemplo, quando o apresentador anunciou pausadamente, Senhoras e senhores, um herói em nosso meio... Pedro dos Santos, uma melancia inteira! Parabéns Pedrinho! Ficou parecendo estádio de futebol. Cheguei a ficar de pé para poder ver o tal Pedro Melancia. O mocinho estava sentado a alguns metros de minha cadeira, magérrimo, branco como talco, parecia um cadáver, ergueu a mão com dificuldade por causa do delirium tremens e ensaiou um sorriso e eu juro que não percebi se ele ainda tinha dentes. Quando tentou se levantar alguém lhe segurou o braço, acho que era a enfermeira dele, e disse algo do tipo, Não, Pedro, dá última vez você caiu, lembra? Realmente, um sucesso!
Por fim, depois da palestra até que muito boa de um nutricionista e corredor queniano com doutorado em Londres, batemos palmas - eles fazem isso direto, dizem que estimula e perde calorias - e fomos saindo. Agora era enfrentar a semana, com as tabelinhas de pontos, anotações e etc e tal. Conheci um senhor lá naquele dia que levava seu iPad a qualquer restaurante ou lanchonete. Tinha seus pontos registrados em gráficos, planilhas, fazia projeções de consumo para a semana, para o mês, para o ano, cardápios alternativos, tudo gravado. Se estivesse comendo e não estivesse com o computador sobre a mesa pode ter certeza seria um milagre. Nós saímos deste meu primeiro encontro até mais leves. 
O que fiz? Um clássico... Mc Donalds! Inebriado pela sensação de dever cumprido, mesmo que apenas espiritualmente mais magro, pedi um saudoso Big Mc, batata frita crocante e coca diet  para a consciência não abrir a matraca. Quando virei com a bandeja para sentar, vi meu amigo do iPad. Na sua frente uma pilha imensa de embalagens e copos retorcidos. Olhou para mim com aquela cara de "meu-Deus-me-flagraram"! Estava segurando um sanduíche enorme, meio mordido, cheio de mostarda e catchup. Seus olhos me imploravam, Você não me viu aqui, certo? Olhei para ele e acenei com um sorriso, fique tranqüilo e Viva Zapata!... Ele respondeu com a boca cheia de pão, Biva Batata!

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