Fui visitar um grupo de controle de peso! Sim, do tipo dos
vigilantes do peso. Na realidade, já me explicaram logo no começo, eles eram
uma dissidência dos famigerados Vigilantes do Peso, pois acreditavam que os
métodos deste grupo eram muito conservadores. Os Espartanos do Peso - acredite, este era o nome! – eram mais
radicais. Logo no início da minha primeira sessão já percebi que a turma era da
pesada, no bom sentido do termo, ou seja, da barra pesada, do mal. Basta
analisar a cordial saudação de nosso palestrante, Viva Esparta!... E todos
respondiam em uníssono, Viva Esparta!... E ele emendava outro grito e todos
respondiam, Viva Esparta! Eu, já entrosado, confundi e gritei, Viva Zapata!... O
silêncio foi sepulcral. Quase morri de vergonha, mas isso já era quase o fim do
meu primeiro encontro com o futuro famélico.
Antes da palestra, sempre há uma, a gente ficava em uma
salinha, tomando chá de erva cidreira e comendo as unhas porque salgadinho é
algo impensável nestes lugares. A gente
ficava conversando sobre tudo. Tudo desde que não estivesse relacionado à
comida. Quando comecei a passar uma receita de feijão tropeiro que minha mãe
tinha aprendido com minha avó, fui repreendido pelo grupo que me ouvia. Um
deles discretamente segurou minhas mãos e apontou em silêncio para o alto, no
canto da parede, para uma câmara de circuito interno de TV. E disse bem
baixinho: cuidado, estão nos ouvindo. Tocou
um sinal e fizemos uma fila...
A fila parecia ordem unida. Uma fila longa que terminava em
uma balança. Cada um que subia o enfermeiro dizia e anotava algo, acho que um
número. Atrás de mim tinha uma gordinha estranhíssima. Ficava repetindo para si
mesma coisas do tipo... Esse não vai dar, coitado deste, xi que esse a
balança não aguenta Na realidade ela estava nervosa. Fui descobrir que toda
reunião as pessoas se pesam para ver se alcançaram as metas da semana. Cada um
que subia ali recebia uma informação precisa sobre quanto havia perdido de peso
ou quanto havia ganhado naquela semana. Pelo que pude perceber, a gordinha
atrás de mim nunca havia conseguido atingir suas metas. Eu, então, presenciei
um milagre. Quando ela enfim subiu na balança e o enfermeiro gritou, Muito bem,
Leidisleine, 100 gramas! Foi uma comoção que só vendo, todo mundo aplaudindo, se
abraçando, a gordinha começou a chorar e uma senhorinha que estava ao meu lado
observando tudo emocionada sussurrou, Está é uma vencedora! Fiquei até
estimulado... E também fiquei lá, pensando quantas fatias de mussarela são 100
gramas.
Depois sentamos todos no auditório, o mestre de cerimônias
anunciava os patrocinadores, um spa e duas clínicas de relaxamento, e começou a
dizer os nomes dos presentes que alcançaram as metas da semana. Parecia festa
de formatura. O divertido é que o apresentador não dizia o peso alcançado, mas
uma referência a ele. Por exemplo, se eu perdia 200 gramas ele anunciava, Olavo,
um bifinho, parabéns! Todos batiam palmas. Apareceu de tudo, picanha, lasanha, um copo de suco de laranja, goiabada cascão,
figo em calda. A mistureba era tanta que a gente acabava ficando enjoado e,
mais importante, sem fome. Se a referência era algo maior, o que significava
uma meta difícil que foi cumprida, o auditório vinha abaixo com aplausos,
gritos e assobios. Por exemplo, quando o apresentador anunciou pausadamente, Senhoras
e senhores, um herói em nosso meio... Pedro dos Santos, uma melancia inteira! Parabéns Pedrinho! Ficou
parecendo estádio de futebol. Cheguei a ficar de pé para poder ver o tal Pedro Melancia. O mocinho estava sentado a alguns metros de minha cadeira, magérrimo,
branco como talco, parecia um cadáver, ergueu a mão com dificuldade por causa
do delirium tremens e ensaiou um
sorriso e eu juro que não percebi se ele ainda tinha dentes. Quando tentou se
levantar alguém lhe segurou o braço, acho que era a enfermeira dele, e disse
algo do tipo, Não, Pedro, dá última vez você caiu, lembra? Realmente, um sucesso!
Por fim, depois da palestra até que muito boa de um
nutricionista e corredor queniano com doutorado em Londres, batemos palmas - eles fazem
isso direto, dizem que estimula e perde calorias - e fomos saindo. Agora era
enfrentar a semana, com as tabelinhas de pontos, anotações e etc e tal. Conheci
um senhor lá naquele dia que levava seu iPad a qualquer
restaurante ou lanchonete. Tinha seus pontos registrados em gráficos,
planilhas, fazia projeções de consumo para a semana, para o mês, para o ano,
cardápios alternativos, tudo gravado. Se estivesse comendo
e não estivesse com o computador sobre a mesa pode ter certeza seria um milagre. Nós saímos deste meu primeiro encontro até mais leves.
O que fiz? Um
clássico... Mc Donalds! Inebriado pela sensação de dever cumprido, mesmo que
apenas espiritualmente mais magro, pedi um saudoso Big Mc, batata frita
crocante e coca diet para a consciência não abrir a matraca. Quando
virei com a bandeja para sentar, vi meu amigo do iPad. Na sua
frente uma pilha imensa de embalagens e copos retorcidos. Olhou para mim com
aquela cara de "meu-Deus-me-flagraram"! Estava segurando um sanduíche enorme,
meio mordido, cheio de mostarda e catchup.
Seus olhos me imploravam, Você não me viu aqui, certo? Olhei para ele e acenei
com um sorriso, fique tranqüilo e Viva Zapata!... Ele respondeu com a boca
cheia de pão, Biva Batata!