sexta-feira, 5 de julho de 2013

O que somente os cães sabem: a grande arte

A árvore da vida, da minha vida.
Local: Vera Cruz, SP.
Meu avô por  parte de pai, “seu” Joaquim, um meio coronel de cidadezinha do interior paulista, tinha um cão perdigueiro de nome Nero. Nome dos mais apropriados para cachorro de coronel. A cena era clássica: vovô sentado na varanda, cigarro de fumo de corda e o Nero aos seus pés a prestar-lhe vigia. 
Pois bem, Nero já era um cachorro avançado na idade, mas mantinha o porte de tempos anteriores, fazia até estrepolias inimagináveis para um cão velho, mas sempre com calma, devagar, sem pressa. Nada abalava o Nero. Nem a morte de vovô, nem rojão de festa junina, nem os meus primos mais novos que o adotavam como montaria nas graças de fim de ano. Vovô legou ao seu fiel companheiro uma pelagem vistosa, um quintal grande onde Nero era imperador entre galinhas e árvores frutíferas e uma certa dose de privacidade e paz canina só perturbada quando vovó Chiquita lhe  despejava restos de frango e de almoço, visto que naquela época, ração era coisa da capital e de importados.
Um dia qualquer, o Nero sumiu. E sumir numa cidade de oito mil habitantes, onde todo mundo conhece todo mundo e o cão de todo mundo e, principalmente, o cão do “seu” Joaquim, é, no mínimo, prodígio. Mas sumiu e ninguém mais viu. Mais tarde fui saber que este comportamento é comum em alguns cães. Nero se retirou tranquilamente, foi se recolher para sempre em algum lugar que eu, uma criança de dez, onze anos não sabia ainda direito onde era. Elegante como poucos, soube até o fim como se portar... Tinha classe o perdigueiro, acredite.
Passado tantos anos, olhando homens e cães, aprendi que envelhecer pode ser uma arte. Com os cães sempre é a única opção, a arte. Com os homens, cuidado, não é, mas pode vir a ser. Posto que é irrevogável que, assim seja, bem feita.
Mas grande perdigueiro tinha vovô... E que Deus me conserve!

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